Entrevista - Professor Aureliano Claret da Cunha

Outubro 12, 2021

A Escola de Nutrição, na última terça-feira (5), realizou uma entrevista com o Professor Aureliano Claret da Cunha, do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Ouro Preto.

Formado em Engenharia de Alimentos, com mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos, ambos pela Universidade Federal de Viçosa, o professor também possui doutorado em Biotecnologia pela UFOP. Atualmente, Aureliano ministra as disciplinas Análise de Alimentos e Tecnologia de Bebidas.

Em nosso bate-papo, conversamos sobre sua área de pesquisa e atuação, a Biotecnologia, ou seja, manipulação de organismos vivos ou seus componentes, quer animal ou vegetal, para a obtenção de produtos de interesse industrial.

Confira:

ENUT: Como a biotecnologia se faz presente nas indústrias?

Aureliano: A fabricação de iogurtes, por exemplo, é um produto de biotecnologia onde se usam microrganismos para fermentar o leite. Assim também são todas as bebidas alcoólicas, que utilizam leveduras para fermentação, produzindo álcool e gás carbônico. São vários produtos de biotecnologia dentro da indústria de alimentos. A panificação, por exemplo, igualmente utiliza a biotecnologia. Outras áreas, como a produção de fármacos, também são obtidos por processo biotecnológico.

 

ENUT: Como é a percepção desses itens no mercado consumidor?

Aureliano: Acredito que vem acontecendo uma gourmetização de produtos biotecnológicos. Esses produtos estão sendo cada vez mais apreciados pela população de uma forma geral. Um exemplo disso são os queijos, que têm ainda a fermentação natural, como queijos da Canastra que possui denominação de origem, apenas em 7 cidades específicas de MG, que possuem toda a microbiota natural daquele ambiente, que contamina aquele produto e dá a sua característica específica. Somente esses lugares conseguem produzir e dar o nome para esses queijos. Produtos que estão sendo cada vez mais valorizados e procurados pelos consumidores, tendo vários deles ganhado prêmios nacionais e internacionais.

Algo similar vem também ocorrendo com as cervejas artesanais. Sendo um produto cada vez mais procurado e consumido. Muitos consumidores estão dispostos a gastar um pouco mais para ter o prazer de degustar uma bebida com melhor qualidade sensorial.

 

ENUT: Como essas questões se fazem presentes nas disciplinas do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos?

Aureliano: Eu posso falar, pois é até nosso objeto de pesquisa, que é através da produção de bebidas alcoólicas. Na disciplina de Tecnologia de Bebidas, nós fabricamos cerveja, licor, cachaça e todos esses são produtos de biotecnologia. É onde a gente aplica a biotecnologia para obtenção de produtos alimentícios, nesse caso a bebida alcoólica. E o que eu venho trabalhando hoje em dia, depois do término do meu doutorado, é com pesquisa em Biotecnologia, dentro do Laboratório de Biologia Celular e Molecular (LBCM), ao lado do professor Rogelio Brandão e da professora Izinara Rosse.

O professor Rogelio, um tempo atrás, começou a montar uma coleção de leveduras que foram isoladas de dornas de fermentação de cachaça. Visitou vários alambiques produtores de cachaça, em diversos estados, e coletou amostras de mostos de cachaça em fermentação. Por técnica desenvolvida por ele mesmo no LBCM, conseguiu isolar leveduras daquele meio, sendo leveduras com características ideais para fabricar cachaça. Hoje em dia essa coleção já conta com mais de 180 cepas, e o que a gente vem trabalhando é entendendo e aprendendo com essas leveduras, que muitas das vezes foram isoladas em ambientes muito inóspitos. Elas apresentam características peculiares, que podem ser aplicadas em outros processos. Por exemplo: uma dessas leveduras tem alta capacidade de floculação. Floculação é quando as leveduras se aglutinam e se depositam no fundo da dorna de fermentação. Isso é interessante para a fabricação de cachaça e cerveja por exemplo.

A gente quer descobrir, então, quais são os genes responsáveis por essa característica de floculação. Existem trabalhos em desenvolvimento hoje com uma mestranda, ex-aluna do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFOP, Laís Barbosa, com a identificação dos genes responsáveis por essa característica específica. Após conhecidos os genes responsáveis por um fenótipo, esse poderá ser implementado em outra cepa por um processo denominado de cisgenia utilizando moderna técnica de edição gênica (CRISPr - Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Interespaçadas). Outra característica específica em estudo é a produção de compostos aromáticos, que também é interessante para a fabricação de bebidas, outro objeto de estudo do LBCM.

Outro aluno do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos, Pedro Carvalho, trabalhou com o potencial uso dessas leveduras para a fabricação de cerveja sem álcool. E dessas 180 leveduras, ele conseguiu chegar em três leveduras que tem um grande potencial para o uso na fabricação de cerveja sem álcool. Elas não metabolizam a maltose, não conseguem converte-la em álcool, que é um processo comum que ocorre no processo de fabricação de cervejas. É um trabalho que já foi concluído, já chegou nessas três potenciais cepas e uma continuidade agora, possível para o mestrado, seria a produção desta cerveja, incluindo avaliação físcio-química do produto e também avaliação sensorial. Outro projeto também que está em desenvolvimento por outra aluna de Ciência e Tecnologia de Alimentos, Késia Ferreira, é o potencial uso dessas leveduras para a produção de vinhos. Em um estudo de pós doutoramento, a profa. Simone Cunha, selecionou dessa coleção uma cepa com capacidade para produção de pães com qualidade sensorial diferenciada de cepas comerciais.

Para cada processo biotecnológico a levedura a ser utilizada deve possuir características específicas, e a gente procura, no meio dessa coleção, aquelas leveduras que apresentam características mais adequadas para serem utilizadas naquele processo. Um grande resumo do que a gente tem feito no laboratório.

 

ENUT: Como o trabalho dos alunos com estes microorganismos os prepara para o setor de alimentos?

Aureliano: Com a realização de iniciação científica o aluno se prepara para ingressar na pós-graduação (mestrado, doutorado) ficando futuramente apto a se inserir no mercado de trabalho quer como docente, desde ensino médio até tecnológico, e de ensino superior também, quer como pesquisador em empresas privadas ou públicas como a Embrapa. Além disso, outros alunos também com essa formação em biotecnologia, especificamente no segmento de bebidas, saem para trabalhar, por exemplo, em micro e pequenas cervejarias, temos ex-alunos do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos atuando em empresas de venda de insumos para indústria cervejeira, como construtor da indústria cervejeira ou até mesmo como mestre cervejeiro.

Muitas vezes, a gente vai de encontro com a demanda do setor produtivo e também do mercado consumidor, principalmente voltando atenção à qualidade do produto no que tange à participação de leveduras no processo. Poderemos chegar a um ponto de ter a produção de cerveja com ingredientes 100% nacionais e até mesmo a produção de vinhos com matérias primas 100% mineiras.

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